Graças ao que escrevi antes para o VMTV é possível perceber que sou contra críticas a quem está produzindo arte e cultura, em qualquer âmbito, mas contrariando todos os meus instintos, este texto é uma crítica justamente à cultura, ou pelo menos à forma que a cultura e arte são tratadas no município em que vivo (Viamão).
Essa semana Viamão recebeu duas atrações que mostram exatamente o atraso em que estamos. Mulher Melancia e Renato e Seus Blue Caps estiveram por aqui. Sou um fã assíduo da jovem guarda e estive no show do Renato pela terceira vez (primeira vez em Viamão), fiz fotos, reservei ingressos e aplaudi um baita show, me diverti à beça. Mas olhando friamente a situação, eles chegaram aqui com quase 50 anos de atraso e graças a um investimento de um arrojado produtor, que correu o risco de não ter lucro ao trazer uma banda de tão longe, mas felizmente teve, pois estava lotado e foi um evento muito bem organizado, embora a acústica do salão não ajudasse. É triste ter que chamar um empresário que trás uma banda tão esquecida pelo grande público de arrojado, mas esse é o principal empresário da cultura nessa cidade, espero que ele tenha muito sucesso por isso, Nenê Produções é o cara do momento por aqui, só gostaria que houvesse mais desse tipo, porque se depender de administração publica pra cultura, é melhor pegar um ônibus e ir para Porto Alegre mesmo. A Mulher Melancia então, nem deveria entrar no assunto, pois não está classificada como cultura ou arte, e sim uma apelação, onde ingressos para homens têm um preço alto e mulheres entram de graça. É uma pena que a nossa maior “casa de shows” seja esse celeiro de sub-celebridades.
Aqui na minha cidade quase não temos exposições ou quando temos normalmente dependemos da boa vontade de donos de bares ou casas noturnas de pequeno porte, que têm quase sempre a maior boa vontade do mundo. Temos apenas uma sala de cinema, pouco frequentada. Não temos uma sala de teatro, embora tenhamos vários grupos de teatro, e quando a nossa prefeitura promove um grande evento, atrolha de artistas regionalistas, a um grande preço e que na maioria das vezes não são da cidade. Nós temos uma grande casa de cultura, próximo ao Lago Tarumã. Trata-se de um grande elefante branco, pois é imenso, numa região pouco habitada e de difícil acesso da população.
Fizemos um filme na cidade. Os Amigos Bizarros do Ricardinho tentou conversar com a prefeitura porque precisávamos de algumas liberações pra filmar nas ruas e envolveria mudanças até mesmo no trânsito. A pessoa que atendeu ao telefone nem levou adiante a conversa. Não sei se não acreditavam que um filme bom pudesse ser feito aqui, ou se estariam envolvidos em algum projeto cultural mais importante que ninguém ouviu falar. O fato é que para que o filme não fosse feito em outra cidade, alguns vereadores ajudaram de boa vontade com as liberações. Como não faço campanha pra ninguém, nos créditos do filme tem o nome deles, que ousaram quando ninguém mais ousou.
A própria população estranha quando tem alguma atividade cultural acontecendo, pois quando filmávamos, vários moradores perguntavam se era o Linha Direta, um programa da época que recriava crimes famosos.
A minha banda mesmo, foi convidada a tocar num evento da cidade pela prefeitura. Nós tocamos e nos arrependemos muito por isso, pois foi o lugar onde mais fomos mal tratados pela técnica do evento, que estava longe de profissional, o mesmo tratamento não aconteceu com as bandas de fora da cidade que tocaram neste evento. Desde então decidimos não tocar para esses eventos enquanto a administração for essa.
Mas o que nós esperávamos? Se a administração da minha cidade não entende de contas públicas e política, como vai entender sobre um show de rock ou eventos de cultura?
Esse tratamento não se repetiu em outras cidades, ou nas casas noturnas e bares de Viamão. Onde os empresários desses lugares fazem o possível para que o artista se sinta à vontade e talvez por isso tenham pouco lucro, afinal, competir com Mulher Melancia é covardia.
Se você olhar os municípios em volta, vai se sentir constrangido com o atraso em que estamos. Hoje Gravataí, São Leopoldo, Novo Hamburgo e outras cidades satélites, têm um elenco de artistas em ascensão no rock, MPB, pagode, reggae e música tradicionalista, vários artista jovem tem reconhecimento e palco em suas cidades.
A administração desses lugares ainda traz eventos de grande porte. Aqui na minha cidade a situação muda um pouco de figura.
É redundante dizer que não temos palco, mas tudo conspira contra. Os maiores artistas daqui talvez tenha sido o cantor regionalista Leonardo, o Gildo de Freitas, ambos falecidos. Pardal que abrilhantava as noites com seu violão também não está mais entre nós, pois parecia uma salvação possível para a pouca cultura local. Agora todos o reconhecem, mas me parece meio tarde, ele merecia o reconhecimento antes. Temos também o Zé Caradípia, compositor de Asa Morena. Garanto que a maioria das pessoas nem saiba que eles fazem parte dessa cidade.
Há algum tempo tínhamos o Rock Solidário, que era talvez o trabalho mais bonito que havia em nossa cidade, mas ironicamente era um evento muito mal tratado pelas disputas que as bandas criavam para tocar no evento. Também pudera, era o único evento que havia e as bandas não tinham palco. O evento parece estar adormecido e eu entendo plenamente, pois sempre foi um evento de iniciativa privada de jovens tentando mudar uma cidade que tem tijolos amarrados aos pés e que evitam o próprio crescimento da cidade. Ficamos órfãos de Tapir Rocha, pois foi o último paladino da cultura dentro da política daqui.
Agora ressuscitam aqueles políticos tentando se eleger no ano que vem. Muito cuidado com as promessas. Já é possível ver alguns candidatos botando as manguinhas de fora, organizando passeatas e parecendo que estão correndo atrás de alguma coisa. Acredito que seja tarde pra isso. Não somos bobos e estamos espertos. Queremos mudanças.
Dedico este desabafo aos nomes culturais que continuam por aqui enfrentando um lento processo de crescimento da nossa cultura. Parabéns ao Café da Praça, Espaço Urbano, Amora Lima, Grupo Teatral Leva Eu, Nenê Produções, Jocimar Soares, Tatiana Vianna, Gelson Alves, Fabrício Giordani, Igor Ramos, Cardinales, Vandré Ventura, Neokoma, My Soul, Alkimia Voodooo, Kaneka Virtual, Wilson Cavalcanti, Cattarse, Lucas Lima, VMTV e todos os jornais e rádios de Viamão que noticiam o que é daqui, além de outros grandes artistas que crescem e se desenvolvem aqui todos os dias.
Cada dia que passa precisamos mais de vocês.
3 comentários:
Na cidade onde nasci e vivi 25 anos da minha vida a situação é parecida. Lá também é comum valorizar o que é de fora e empurrar os artistas para fazer seu trabalho em lugares mais receptivos. Seria bom que mais pessoas lessem teu texto, Ricardo. No mínimo, deveria provocar uma reflexão. Abraço!
Perfeito texto.
Lembro-me do tempo do Tapir Rocha, cheguei a ver em evento público excelentes produções com Cascavelletes, Rosa Tatuada, até Belchior eu vi na frente da Igreja Matriz. Deixo claro que não sou filiado a nenhum partido e nem apóio político algum, mas que naquela época Viamão tinha mais cultura, é incontestável.
Esse teu texto deveria ser publicado em algum jornal de grande circulação, pois é a mais pura verdade.
Parabéns.
Vou enviar o texto aos jornais de grande circulação. Se vocês tiverem algum contato, favor encaminhar também.
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