sexta-feira, 25 de março de 2011

E no oitavo dia, Deus criou o crítico.

Escrito para o canal VMTV.

Estava contando para um amigo que estavam fazendo mais um filme na cidade, chamado “Tempestade” e que eu queria participar da divulgação, nem que fosse marcando presença. Este amigo me deu o tema para o texto de hoje, quando me perguntou:
– E se o filme não for bom? Vai chegar lá e vai perder a viagem.
A minha resposta, que saiu pronta foi:
– Não vem ao caso. O que importa é que eles estão criando, e nós falando.
Não posso emitir uma opinião sobre um filme que nem mesmo o diretor assistiu. E se o filme foi feito, merece incentivo pela iniciativa.
Em outra situação, estava me dirigindo ao show de um amigo, quando passei de carro ao lado de um acidente, havia em torno de 100 pessoas em volta do acidentado, até com câmeras digitais. Chegando ao show do meu amigo, havia pouco mais de 20 pessoas, muitos não pagantes. O show estava excelente, num lugar pequeninho, modesto, mas lá pude ver bem de perto, um cara de porte, que toca há mais de dez anos, sempre privilegiando as suas próprias criações.
A criação no caso desse meu amigo músico é como se estivesse criando um filho. Ele vê crescer em algumas linhas, uma ou outra coisa não sai como ele quer, ele então risca a linha e refaz. Criar é a chance que se tem de acertar sempre, dentro do próprio ponto-de-vista. Mas aí vem o ouvido do vizinho e reclama, porque você não tocou a última do Vitor e Léo.
Eis meu choro.
Estamos invertendo os papéis, a critica não é mais importante que a criação. Embora, quando é a crítica é feita por nós mesmos, tendemos a acreditar que ela é mais importante que a criação dos outros. Cometemos este erro sistematicamente, a toda hora. Se você tem um twitter, um facebook, alguma rede social em que se expõe opinião, sugiro que leia o que já escreveu, e preste atenção na quantidade de criticas que nós fazemos a toda hora. Também não estou insinuando que ter opinião não tem importância, mas somos influenciados a vulgarizá-las, usando mais adjetivos ruins do que “por favor”.
Eu mesmo faço isso, sobre vários assuntos: um jogador ruim, o time adversário, um show que o mundo todo quer ver e você não, o BBB, o Papa, o Obama, a Dilma, está tudo lá. Se você escapou disso, ou não tem redes sociais ou controla muito os seus impulsos.
Nem eu escapei da crítica, uma vez escreveram sobre mim: um cara branquelo, tremelique com dentes fronxos e voz frágil. Isso não é uma critica, pois ela me retrata como sou. Quando estamos criticando alguém, estamos naturalmente invejando o espaço que essa pessoa conquistou de alguma forma. Talvez até achemos que possamos fazer melhor, mas então, porque não fazer?
Visivelmente, não estou tentando entrar numa abordagem científica sobre a crítica, mas sim filosofando, fazendo a crítica da crítica. A crítica de mim mesmo como crítico. Afinal, a cada vez que estamos criticando, tem milhares criando. Ficar em cima do muro, não faz o meu tipo. Sou contra a crítica abertamente, mas fundamentalmente a favor da criação.
Todo mundo cria algo, o tempo todo, talvez nem perceba a criatividade que mora na rotina. Às vezes sair do trabalho e encontrar um atalho pra chegar antes em casa é uma forma de criação. Superar uma crise é outra. Sair de um aperto financeiro pode ser mais criativo que pintar um quadro. Nesse caso a artimanha, a arte e o artesanato não se distinguem. Quando você está se arrumando para um encontro, está criando. Quando pegou um ônibus diferente para o trabalho, está criando. Não tem obstáculos que te impeçam de criar, nem você mesmo. Se você pensar, de hoje em diante não quero criar nada, você criou uma birra diferente. Criar é mais importante e fácil do que criticar. Criar é mais importante até mesmo do que andar. Afinal, você assistiu ao Escafandro e a Borboleta?

2 comentários:

flcoelho disse...

Gostei muito do teu texto, Ricardo. Trouxe boas reflexões. Estás coberto de razão: muitas vezes criticamos até sem pensar. E só tem uma maneira de mudar um pouco isso: viver, na pele, o que criticamos. Penso que teus sentidos ficam bem mais apurados para o meio artístico por viveres nesse meio. É a velha máxima: "falar é fácil". Abraço!

Marjorie Jonsson disse...

Eu adorei esse texto tb, as pessoas me comentaram sobre ele, até minha mãe veio me falar que curtiu kkk
Tudo isso que ele fala, é como um exercício que devemos praticar.

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